Recebi este texto por e-mail e achei muito interessante postar aqui.
A todos, uma boa leitura.
Sermão
secular e a corrupção
Hélio
Duque
Mais
de três séculos depois, o sermão sobre corrupção do Padre
Antonio Vieira é de uma atualidade inacreditável no Brasil
contemporâneo. A lembrança do grande pregador decorreu do fato de
há algum tempo ter revisitado o inesquecível Colégio Antonio
Vieira, em Salvador, primeira instituição de ensino criada no
Brasil pelos jesuítas. Ao longo de séculos, no ginasial e no
colegial, gerações recolheram sólidos valores no aprendizado,
incorporando a ética como princípio intocável para a vida. No
século XVII, era levado para Portugal, por imposição da
intolerante e odiosa Santa Inquisição. Foi perseguido político,
pelo único delito de nos seus extraordinários sermões condenar o
ilícito, a corrupção e a ladroagem dominantes nas terras
coloniais. A elegante e bem elaborada pregação e os seus escritos
integram páginas notáveis na literatura brasileira. A obra completa
do Padre Vieira, na coleção de 30 volumes acaba de ser publicada
pela Edições Loyola, incluindo os textos de história, filosofia,
direito, economia, literatura, filologia e, fundamentalmente
futurologia. Enfrentou a intolerância, fazendo da palavra a sua
arma.
Em
Lisboa, desafiando a Inquisição, em 1655, na Igreja da
Misericórdia, proferiu histórica pregação, de grande valor nesse
século XXI. É o “Sermão do bom ladrão”, que terá aqui alguns
dos seus grandes momentos transcritos. O espaço hoje será do Padre
Antonio Vieira.
1
– “Bem quisera eu que o que hoje determino pregar chegara a todos
os reis. Todos devem imitar ao rei dos reis, e todos têm muito que
aprender nesta última ação de sua vida. Pediu o bom ladrão a
Cristo que se lembrasse dele no seu reino. E a lembrança que o
Senhor teve dele foi que ambos se vissem juntos no paraíso. Esta é
a lembrança que devem ter todos os reis. Que se lembrem não só de
levar os ladrões ao paraíso, senão de os levar consigo. Nem os
reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os
ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. Isto é o que
hei de pregar.”
2
– “Navegava Alexandre Magno em sua poderosa armada pelo Mar
Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença
um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o
muito Alexandre de andar em tão mau ofício. Porém, ele, que não
era medroso nem lerdo, respondeu assim: - Basta, senhor, que eu,
porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma
armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar
muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar
com muitos faz, os Alexandres. Se o rei da Macedônia, ou qualquer
outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o
rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.”
3
– “Ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno.
Os que não só vão, mas levam, de quem eu trato, são outros
ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do
mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem S.Basílio
Magno. Diógenes que tudo via com mais aguda vista que outro homem
viu que uma grande tropa de varas e ministros da justiça levava a
enforcar uns ladrões e começou a bradar: - Lá vão os ladrões
grandes a enforcar os pequenos. Ditosa Grécia que tinha tal
pregador! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão por
ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um
Cônsul ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões
teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes.”
4
– “Conjugam o verbo rapio por todos os modos. Começam a furtar
pelo modo indicativo. Furtam pelo modo imperativo, porque, aplicam
despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo,
porque aceitam quando lhes mandam. Furtam pelo modo optativo. Furtam
pelo modo conjuntivo. Furtam pelo modo potencial. Furtam pelo modo
permissivo, porque permitem que outros furtem. Furtam pelo modo
infinitivo. Furtam juntamente por todos os tempos, para incluírem no
presente o pretérito e o futuro do pretérito desenterram crimes, de
que vendem os perdões. Furtam, furtavam, furtaram, furtariam e
haveriam de furtar mais, se mais houvesse.”
Como
se vê, o Padre Antonio Vieira, enxergava séculos à frente do seu
tempo. Sua atualidade é estonteante.
Hélio
Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor
de vários livros sobre a economia brasileira.